Resolução do CFM 2017
Resolução CFM nº 2168/2017
(Publicada no D.O.U. de 10 nov. 2017, Seção I, p. 73)
Adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida – sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da observância aos princípios éticos e bioéticos que ajudarão a trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos – tornando-se o dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM nº 2.013/13, publicada no D.O.U. de 9 de maio de 2013, Seção I, p. 119.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pelo Decreto nº 6.821, de 14 de abril de 2009, e associada à Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013, e ao Decreto nº 8.516, de 10 de setembro de 2015,
CONSIDERANDO a infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la;
CONSIDERANDO o aumento das taxas de sobrevida e cura após os tratamentos das neoplasias malignas, possibilitando às pessoas acometidas um planejamento reprodutivo antes de intervenção com risco de levar à infertilidade;
CONSIDERANDO que as mulheres estão postergando a maternidade e que existe diminuição da probabilidade de engravidarem com o avanço da idade;
CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico já permite solucionar vários casos de problemas de reprodução humana;
CONSIDERANDO que o pleno do Supremo Tribunal Federal, na sessão de julgamento de 5 de maio de 2011, reconheceu e qualificou como entidade familiar a união estável homoafetiva;
CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso dessas técnicas com os princípios da ética médica; e
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 21 de setembro de 2017,
RESOLVE:
Art. 1º – Adotar as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, anexas à presente resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos.
Art. 2º – Revogar a Resolução CFM nº 2.121, publicada no D.O.U. de 24 de setembro de 2015, Seção I, p. 117 e demais disposições em contrário.
Art. 3º – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília-DF, 21 de setembro de 2017.
Carlos Vital Tavares Corrêa Lima
Presidente Lima Henrique Batista e Silva
Secretário-geral
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Normas éticas para a utilização das técnicas de Reprodução Assistida
I – Princípios Gerais
1 – As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação.
2 – As técnicas de RA podem ser utilizadas na preservação social e/ou oncológica de gametas, embriões e tecidos germinativos.
3 – As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para o(a) paciente ou o possível descendente.
§ 1º – A idade máxima das candidatas à gestação por técnicas de RA é de 50 anos.
§ 2º – As exceções a esse limite serão aceitas baseadas em critérios técnicos e científicos fundamentados pelo médico responsável quanto à ausência de comorbidades da mulher e após esclarecimento ao(s) candidato(s) quanto aos riscos envolvidos para a paciente e para os descendentes eventualmente gerados a partir da intervenção, respeitando-se a autonomia da paciente.
4 – O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para todos os pacientes submetidos às técnicas de RA. Os aspectos médicos envolvendo a totalidade das circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico e ético. O documento de consentimento livre e esclarecido será elaborado em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, obtida a partir de discussão bilateral entre as pessoas envolvidas nas técnicas de reprodução assistida.
5 – As técnicas de RA não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto para evitar doenças no possível descendente.
6 – É proibida a fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não a procriação humana.
7 – Quanto ao número de embriões a serem transferidos, fazem-se as seguintes determinações de acordo com a idade: a) mulheres até 35 anos: até 2 embriões; b) mulheres entre 36 e 39 anos: até 3 embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até 4 embriões; d) nas situações de doação de oócitos e embriões, considera-se a idade da doadora no momento da coleta dos oócitos. O número de embriões a serem transferidos não pode ser superior a quatro.
8 – Em caso de gravidez múltipla decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.
II – Pacientes das Técnicas de RA
1 – Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA, desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos, conforme legislação vigente.
2 – É permitido o uso das técnicas de RA para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o direito à objeção de consciência por parte do médico.
3 – É permitida a gestação compartilhada em união homoafetiva feminina em que não exista infertilidade. Considera-se gestação compartilhada a situação em que o embrião obtido a partir da fecundação do(s) oócito(s) de uma mulher é transferido para o útero de sua parceira.
III – Referente às Clínicas, Centros ou Serviços que aplicam técnicas de RA
As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infectocontagiosas, pela coleta, pelo manuseio, pela conservação, pela distribuição, pela transferência e pelo descarte de material biológico humano dos pacientes das técnicas de RA. Devem apresentar como requisitos mínimos:
1 – Um diretor técnico (obrigatoriamente um médico registrado no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição) com registro de especialista em áreas de interface com a RA, que será responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados;
2 – Um registro permanente (obtido por meio de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações, dos nascimentos e das malformações de fetos ou recém-nascidos provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e embriões;
3 – Um registro permanente dos exames laboratoriais a que são submetidos os pacientes, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças;
4 – Os registros deverão estar disponíveis para fiscalização dos Conselhos Regionais de Medicina.
IV – Doação de Gametas ou Embriões
1 – A doação não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
2 – Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
3 – A idade limite para a doação de gametas é de 35 anos para a mulher e de 50 anos para o homem.
4 – Será mantido, obrigatoriamente, sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do(a) doador(a).
5 – As clínicas, centros ou serviços onde são feitas as doações devem manter, de forma permanente, um registro com dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores, de acordo com legislação vigente.
6 – Na região de localização da unidade, o registro dos nascimentos evitará que um(a) doador(a) tenha produzido mais de duas gestações de crianças de sexos diferentes em uma área de um milhão de habitantes. Um(a) mesmo(a) doador(a) poderá contribuir com quantas gestações forem desejadas, desde que em uma mesma família receptora.
7 – A escolha das doadoras de oócitos é de responsabilidade do médico assistente. Dentro do possível, deverá garantir que a doadora tenha a maior semelhança fenotípica com a receptora.
8 – Não será permitido aos médicos, funcionários e demais integrantes da equipe multidisciplinar das clínicas, unidades ou serviços participar como doadores nos programas de RA.
9 – É permitida a doação voluntária de gametas, bem como a situação identificada como doação compartilhada de oócitos em RA, em que doadora e receptora, participando como portadoras de problemas de reprodução, compartilham tanto do material biológico quanto dos custos financeiros que envolvem o procedimento de RA. A doadora tem preferência sobre o material biológico que será produzido.
V – Criopreservação de Gametas e Embriões
1 – As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozoides, oócitos, embriões e tecidos gonádicos.
2 – O número total de embriões gerados em laboratório será comunicado aos pacientes para que decidam quantos embriões serão transferidos a fresco, conforme determina esta Resolução. Os excedentes, viáveis, devem ser criopreservados. .
3 – No momento da criopreservação, os pacientes devem manifestar sua vontade, por escrito, quanto ao destino a ser dado aos embriões criopreservados em caso de divórcio ou dissolução de união estável, doenças graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.
4 – Os embriões criopreservados com três anos ou mais poderão ser descartados se esta for a vontade expressa dos pacientes.
5 – Os embriões criopreservados e abandonados por três anos ou mais poderão ser descartados.
Parágrafo único: Embrião abandonado é aquele em que os responsáveis descumpriram o contrato pré-estabelecido e não foram localizados pela clínica.
VI – Diagnóstico Genético Pré-Implantação de Embriões
1 – As técnicas de RA podem ser aplicadas à seleção de embriões submetidos a diagnóstico de alterações genéticas causadoras de doenças – podendo nesses casos ser doados para pesquisa ou descartados, conforme a decisão do(s) paciente(s) devidamente documentada em consentimento informado livre e esclarecido específico.
2 – As técnicas de RA também podem ser utilizadas para tipagem do sistema HLA do embrião, no intuito de selecionar embriões HLA-compatíveis com algum irmão já afetado pela doença e cujo tratamento efetivo seja o transplante de células-tronco, de acordo com a legislação vigente.
3 – O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será de até 14 dias.
VII – Sobre a gestão de substituição (Doação temporária de útero)
As clínicas, centros ou serviços de reprodução assistida podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética, em união homoafetiva ou pessoa solteira.
1 – A cedente temporária do útero deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe/filha; segundo grau – avó/irmã; terceiro grau – tia/sobrinha; quarto grau – prima). Demais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.
2 – A cessão temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
3 – Nas clínicas de reprodução assistida, os seguintes documentos e observações deverão constar no prontuário da paciente:
3.1. Termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pacientes e pela cedente temporária do útero, contemplando aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, bem como aspectos legais da filiação;
3.2. Relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocional de todos os envolvidos;
3.3. Termo de Compromisso entre o(s) paciente(s) e a cedente temporária do útero (que receberá o embrião em seu útero), estabelecendo claramente a questão da filiação da criança;
3.4. Compromisso, por parte do(s) paciente(s) contratante(s) de serviços de RA, de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mãe que cederá temporariamente o útero, até o puerpério;
3.5. Compromisso do registro civil da criança pelos pacientes (pai, mãe ou pais genéticos), devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez;
3.6. Aprovação do cônjuge ou companheiro, apresentada por escrito, se a cedente temporária do útero for casada ou viver em união estável.
VIII – Reprodução Assistida Post-mortem
É permitida a reprodução assistida post-mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.
IX – Disposição final
Casos de exceção, não previstos nesta resolução, dependerão da autorização do Conselho Regional de Medicina da jurisdição e, em grau recursal, ao Conselho Federal de Medicina.
Carlos Vital Tavares Corrêa Lima
Presidente Lima Henrique Batista e Silva
Secretário-geral
Exposição de motivos da Resolução DFM nº2.121/15
No Brasil, até a presente data, não há legislação específica a respeito da reprodução assistida (RA). Tramitam no Congresso Nacional, há anos, diversos projetos a respeito do assunto, mas nenhum deles chegou a termo.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) age sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da obediência aos princípios éticos e bioéticos, que ajudam a trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos.
O uso das técnicas de reprodução assistida para preservação social e oncológica de gametas, embriões e tecidos germinativos amplia as oportunidades de aplicação no sentido de propiciar melhor planejamento reprodutivo.
A preservação social diz respeito a pessoas saudáveis, sem indicação médica para assistência à fertilidade, no sentido de promover congelamento dos seus gametas, possibilitando a condição reprodutiva posterior.
A permissão da doação de oócitos além dos casos compartilhados contempla a questão da isonomia de gêneros.
A Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005) permitiu a utilização para pesquisa de embriões congelados há três anos ou mais, na data da publicação da Lei (28.03.2005). Assim, por analogia, a alteração passa de cinco para três anos o período de descarte de embriões.
Os aspectos médicos envolvendo a totalidade das circunstâncias da aplicação da reprodução assistida foram detalhadamente expostos nesta revisão, realizada pela Comissão de Revisão da Resolução CFM nº 2.121/2015 em conjunto com representantes da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, da Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia, da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana e da Sociedade Brasileira de Genética Médica, sob a coordenação do conselheiro federal José Hiran da Silva Gallo.
Esta é a visão da comissão formada que trazemos à consideração do plenário do Conselho Federal de Medicina.
Brasília-DF, 21 de setembro de 2017.
JOSÉ HIRAN DA SILVA GALLO
Coordenador da Comissão para Revisão da Resolução CFM nº 2.121/2015